sábado, 21 de maio de 2011

AMOR E PUTATIVIDADE

CARLOS ALBERTO MARCHI DE QUEIROZ* charles.quebec@hotmail.com

Recentemente, as páginas policiais do Correio noticiaram um curioso caso envolvendo um casal de namorados e um delegado de polícia titular de um dos distritos de Campinas.
Tudo começou quando um jovem e uma moça começaram a discutir dentro de um carro regularmente estacionado em uma pacata via pública nas proximidades do Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, por onde, coincidentemente, passava a autoridade policial a caminho de sua repartição.
De repente, e não mais que de repente, o rapaz saiu correndo de dentro do veículo sendo, imediatamente perseguido pela moça que gritava, desesperadamente: pega ladrão, pega ladrão!
A autoridade policial, instintivamente, já que é treinada para isso, saiu em socorro da donzela, que ao ser alcançado, agarrou-se a ela, tomando-a como escudo.O delegado de polícia,identificando-se como tal, e de arma em punho, ordenou que o mancebo soltasse a sua vítima.
O homem, soltando a presa, não se intimidou com a presença da autoridade policial, ameaçando atacá-la, não o conseguindo face a um tiro de advertência desferido em direção a um muro.
Todavia, não amedrontado, o valentão partiu para cima da autoridade que, sem vacilar, e em legítima defesa, conteve o atacante atingindo-o com um tiro em uma das pernas.
Com a chegada da polícia, que havia sido anterior e rapidamente acionada pelo delegado, foram todos para no distrito policial de atribuição, que atende a região do bairro do Taquaral, onde tudo foi finalmente esclarecido.
Vale esclarecer, ainda, que recente recomendação do ministro da Justiça condena tiros de advertência feitos por policiais, o que, a nosso ver, configura uma impropriedade jurídica, posto que diminui, ainda mais, a restrita esfera de ação da polícia garantida pelas excludentes da legítima defesa, do estado de necessidade e do estrito cumprimento de dever legal.
Apurou-se que dois dos protagonistas da ocorrência eram namorados e que no auge da discussão, o jovem afastou-se, correndo, da parceira, que, correndo em seu encalço, gritava pega ladrão, pega ladrão.
Alguns jornalistas da imprensa falada censuraram a atitude da autoridade policial que acabou ferindo o namorado fugitivo com um tiro na perna, trazendo à baila, a recomendação emanada do Ministério da Justiça, em Brasília.
Analisando-se a situação à luz do direito penal, verifica-se, de imediato, que a autoridade policial foi induzida a erro pela jovem ao apontar seu namorado como ladrão. Ela, sim, cometeu a infração penal de falsa comunicação de crime, provocando a imediata intervenção da autoridade policial, que, putativamente, saiu em perseguição do rapaz, acabando por baleá-lo.
Ensinam os doutrinadores penais brasileiros que o crime putativo equivale ao real uma vez que o agente supõe a existência de uma ação verdadeira, que, contudo, não passa de mera comédia, de vulgar teatralização.
Na delegacia tudo foi esclarecido. O homem foi indiciado por desobediência e resistência à ordem legal da autoridade, que se identificou, exibindo ao turbulento sua carteira funcional e distintivo.
A jovem foi enquadrada como parte, mas tudo leva a crer que responderá por falsa comunicação de crime, que quase acaba em tragédia.
A propósito, começa a crescer no Brasil esse mau costume de se gritar pega ladrão por parte das jovens que se desentendem com seus namorados, vezo que poderá produzir danos físicos sobre a outra parte, em casos semelhantes.
O delegado de polícia, envolvido na confusão, induzido a erro por parte da moça será, também, um dos atores desse drama urbano, e,certamente, exculpado de sua ação, uma vez que a falsa percepção da realidade foi provocada por terceira pessoa.
O crime putativo encontra respaldo no código penal brasileiro. Não obstante, ao começar o ataque contra o delegado,o atacante fez com que a putatividade passasse rapidamente para a esfera realidade, protegendo-o com as justificativas da legítima defesa própria e do estrito cumprimento do dever legal.

*Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de Direito e servidor público

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